Ao discutirmos o processo de envelhecimento, poucos termos surgem com tanta frequência e importância na literatura atual quanto o “declínio”.
À medida que envelhecemos vamo-nos apercebendo aos pouco que o nosso cérebro “já não é o que era” e embora algumas regiões do cérebro envelheçam mais rapidamente do que outras a verdade é que perdemos, em cada década de vida após o auge do nosso desenvolvimento cerebral, cerca de 10% das nossas substâncias cinzenta e branca ocorrendo assim um processo de neurodegeneração cerebral.
Mas nem tudo são más notícias!
Alguns estudos recentes contrariam a ideia de que não existe neurogénese (formação de novos neurónios) na idade adulta, tendo sido observada neurogénese em algumas regiões do nosso cérebro e até no hipocampo, uma região fundamental para a formação de memórias, mesmo em idades avançadas. Outra boa notícia é que atualmente a duração média dos nossos cérebros se continua a alongar, graças a um estilo de vida mais adequado e a avanços relevantes na medicina (afinal, não nos podemos esquecer que em 1950 a esperança média de vida [e consequentemente a duração média de um cérebro] era de apenas 58 anos em Portugal!).
Acontece que, o envelhecimento e a idade avançada, que antes eram vistos como uma triste inevitabilidade, são agora percecionados não como um problema, mas como um uma parte natural do ciclo de vida, um processo normal e possivelmente - saudável! E, sabemos hoje que, apesar de ser verdade que os problemas cognitivos (e, em particular de memória) são comuns com o decorrer da idade, não são necessariamente inevitáveis. Com a adoção de boas práticas podem manter-se à distância os efeitos de uma degradação cerebral generalizada e é, por isso, recomendável prepararmo-nos para esse processo com bastante tempo de antecedência... Neste sentido, e no âmbito de um envelhecimento saudável, surgiu, há alguns anos, um novo conceito de que gostava de vos falar: Os Super Agers. Ou em Português, os Super Idosos.
E o que é que faz de um adulto mais velho um Super Ager?
Tecnicamente falando um Super Ager é uma pessoa com mais de 80 anos, mas com capacidades cognitivas de uma pessoa nos seus 50s, ou seja, são pessoas que mantém as suas capacidades cognitivas maioritariamente preservadas ao longo do tempo. É certo que não são muitas as pessoas a quem podemos atribuir esta “distinção”, dado que, segundo os neurocientistas, o superenvelhecimento é um fenótipo relativamente pouco comum. Mas os estudos de investigação que procuram compreender estas pessoas-fenómeno vão com certeza ajudar cada um de nós a envelhecer melhor respondendo a questões como:
Será que os Super Agers nascem com excelentes genes que lhes conferem uma acuidade mental que perdura no tempo?
Ou será que os fatores relacionados com o ambiente e o estilo de vida explicam o seu desempenho superior?
Em primeiro lugar, vamos tentar decifrar o que distingue neuroanatomicamente estes Super Agers das outras pessoas:
- Córtex cerebral: permanece muito mais espesso e encolhe (ou atrofia) mais lentamente do que as restantes pessoas. “Olhando para o seu cérebro mais parece que estamos a ver um cérebro de uma pessoa de 50 anos!”, refere uma das principais investigadoras nesta temática, Emily Rogalski.
- Córtex Entorrinal: apresenta neurónios maiores e mais saudáveis em comparação com outras pessoas da sua idade e até com indivíduos mais jovens. Esta é uma área muito importante no que respeita à memória e aprendizagem e é das primeiras a ser afetadas numa situação de demência, em particular de Doença de Alzheimer. Isto poderá querer dizer que o cérebro destes indivíduos poderá ser capaz de resistir ao desenvolvimento desta patologia.
Em segundo lugar, e não menos importante, há que realçar e reforçar a existência de fatores biológicos e ambientais que parecem contribuir para este superenvelhecimento e na verdade, cada um de nós deve ter em atenção para ajudar a prevenir e a tratar o declínio cognitivo:
- Movimento: Com certeza que não é surpresa nenhuma que o exercício físico seja apontado como uma das recomendações principais. Quer o corpo quer o cérebro têm necessidade de atividade física para se desenvolverem e funcionarem corretamente e por isso mesmo deve ser uma prioridade desde cedo. Quanto mais cedo se começa, melhor é! E aqui não me estou a referir necessariamente à prática de ginásio ou até de um desporto em particular (se for o caso, ótimo), mas sim qualquer hábito enraizado de movimento. Caminhadas, dança, passear os nossos animais, jardinagem ou andar de bicicleta são excelentes exemplos de como nos mantermos ativos, mesmo com a crescente tendência para um estilo de vida cada vez mais sedentário na sociedade atual.
- Nutrição: Já ouviram falar do termo comida para o cérebro? Para além de uma alimentação adequada ser fundamental para a saúde e bem-estar de qualquer organismo sabemos hoje que uma dieta saudável está associada a menos riscos de problemas graves de memória (e.g. Doença de Alzheimer), e a um maior volume cerebral devido à sua capacidade de prevenir e tratar a inflamação. A inflamação é a forma natural do nosso corpo lidar com uma ferida ou uma “agressão” e tem uma função protetora importante no nosso sistema. Mas há um problema. Nem sempre as lesões e/ou as infeções são as únicas causas que desencadeiam processos inflamatórios, por vezes a inflamação é causada por um estilo de vida pouco saudável, tabagismo, défices vitamínicos, problemas intestinais, stress emocional ou alimentação desadequada… Nestas situações a inflamação pode persistir no tempo tornando-se crónica e eventualmente abrindo caminho para o aparecimento de uma grande variedade de doenças crónicas como as doenças cardíacas, a diabetes tipo 2, o cancro, problemas gastrointestinais, a depressão, e doenças neurodegenerativas. Considerando que a síndrome do intestino irritável é uma das principais causas deste processo inflamatório crónico, é fundamental que comecemos a zelar pela saúde do nosso intestino! Como?
- Evitar a toma excessiva de medicação (em particular de antibióticos).
- Reduzir a ingestão de açúcar (e alimentos que se transformam em açúcar - cereais refinados), adoçantes artificiais, glúten (que afeta o revestimento do intestino), carnes processadas e álcool.
- Aumentar os níveis de ácidos gordos omega 3, que se encontram principalmente nos peixes de águas frias como o salmão, a cavala, as sardinhas e truta, mas também nas nozes, linhaça e óleo de abacate.
- Reforçar os níveis de vitamina D.
- Aumentar a ingestão de prebióticos: e.g. maçã, cebola, feijão, alho francês, couves, cenoura, abóbora, espargos e batata-doce.
- Aumentar os probióticos através de suplementação ou de alimentos fermentados como vegetais em pickle, kefir, kombucha e outros.
- Testar os níveis de vitamina B6, B12 e de folato.
- Manter o ferro num nível ótimo: O ferro desempenha um papel essencial na função cognitiva, pois é necessário para a produção de neurotransmissores e a oxigenação do cérebro. Mas o equilibro é importante. Níveis elevados de ferro promovem stress oxidativo e estão associados a doenças neurodegenerativas…. Por outro lado, níveis deficitários estão associados a anemia, fadiga e falta de motivação e iniciativa. Por isso, garantir um equilíbrio saudável de ferro pode ser uma medida preventiva importante para proteger a função cognitiva.
- Focar em novas aprendizagens: “Learning never exhausts the mind”. Se não lhe dermos uso, o nosso cérebro fica destreinado. Quando aprendemos coisas novas são criadas novas conexões neuronais e, assim, independentemente da idade o exercício cognitivo tem um efeito positivo sobre o nosso cérebro! Os melhores exercícios são aqueles que envolvem a aquisição de novos conhecimentos e fazer coisas que nunca fizemos antes, por isso que tal tentarmos aprender um novo desporto, um instrumento musical, uma nova língua ou até experimentamos meditação? Fun Fact: A meditação é uma atividade com eficácia comprovada na concentração, velocidade de processamento e controlo dos impulsos e está até associada a um maior volume do hipocampo. Mas não nos ficamos por aqui.... Existem outras formas criativas e simples de exercitar o nosso cérebro, como alterar as nossas rotinas diárias — por exemplo, usar a mão não dominante para controlar o rato do computador, para pôr a mesa ou até para lavar os dentes — ou explorar e viajar para novos destinos. Essencialmente, tudo o que represente um desafio, uma novidade é algo que tem o poder de fortalecer a nossa mente.
- Socialidade: Existe uma correlação positiva entre um envelhecimento mais lento e as relações interpessoais com outros seres humanos o que evidencia a importância das interações sociais para a longevidade e a qualidade de vida. Estudos apontam que manter uma rede social ativa, seja com familiares, amigos ou em comunidade, contribui para a preservação cognitiva, a redução do stress e uma melhor gestão emocional. As atividades sociais estimulam o cérebro, reforçam os sentimentos de pertença e de propósito e ajudam a combater a solidão, um fator associado a problemas de saúde. Os nossos Super Agers são exemplos disso mesmo, eles reportam relações mais fortes e positivas com as outras pessoas, sendo muitos deles até apelidados de “social butterflies”. A solidão faz mal à saúde, geral e cerebral.
Portanto, embora nenhum de nós saiba ao certo o que o futuro nos reserva, há algo que podemos afirmar com convicção: temos a capacidade de influenciar positivamente a nossa saúde e o nosso bem-estar. Envelhecer bem não é apenas uma questão de sorte ou genética; é também uma escolha diária que envolve cuidar do corpo, da mente e das relações que cultivamos ao longo da vida. O futuro pode ser incerto, mas o presente oferece-nos a oportunidade de investir em nós mesmos, para que os anos que virão sejam vividos com qualidade e dignidade. Afinal, o segredo para envelhecer bem está em valorizar cada momento e continuar a construir uma vida que nos faça sentido, independentemente da idade.