Acredito que a grande maioria das pessoas que está a ler este artigo, cresceu a brincar na rua, brincar com pedras e pauzinhos, a fingir ser pilotos, astronautas ou reis e rainhas. Alguns com algum acesso a tecnologias, mas ainda restrito. Contudo, com o avançar do tempo, o brincar na rua e a criatividade, foram trocados por ecrãs cheios de cores frenéticas e hiper estimulantes.

O acesso às novas tecnologias tornou-se cada vez mais precoce. Em Portugal, os jovens têm acesso ao seu primeiro smartphone entre os 11 e os 13 anos, e os estudos mostram que fazem um excessivo uso dos mesmos, alegando que se sentem menos aborrecidos quando o estão a usar.

Mas se pensarmos bem, a verdade é que ter um smartphone é super útil para lidar com o aborrecimento, não é?

Conseguimos comunicar com quem quisermos com uma simples chamada ou mensagem. Podemos divertirmo-nos e passar tempo ouvindo música ou vendo vídeos. Dá para anotar todas as nossas tarefas e compromissos. Além disso, podemos estar sempre conectados com os nossos amigos, conhecidos (e desconhecidos) através das redes sociais.

Conseguimos fazer imensas coisas e passar imenso tempo sem fazermos uso da nossa criatividade ou imaginação, evitando sentirmo-nos aborrecidos! E quando nos sentimos entediados, temos sempre possibilidade de mudar de música, saltar a parte aborrecida do filme ou continuar a fazer scroll nas redes sociais, pois as novidades irão sempre aparecer.

A verdade é que a evolução das tecnologias é incrível, mas acarreta também alguns perigos. Um deles é realmente o uso excessivo das redes sociais e o impacto que tem na sociedade. Não sou extremista e reconheço que as redes sociais têm também vários pontos positivos criando um espaço de socialização, desenvolvimento de competências sociais e permite ainda o acesso a informações educacionais. Contudo, não podemos negar que o seu uso em excesso pode levar a várias complicações para a saúde mental dos jovens.

Os estudos têm mostrado que as crianças que têm acesso às redes sociais precocemente podem apresentar alterações ao nível da imagem corporal, baixa autoestima e elevada comparação social. Podem também conduzir a alterações do comportamento alimentar, disfunções do sono e exposição a conteúdos prejudiciais, como automutilação e suicídio.

Mas porque é que isso acontece?

Aquilo que é mostrado nas redes sociais é cada vez mais selecionado para se tornar semelhante a uma vida perfeita. Vidas estas onde não existem problemas, mas existem paisagens bonitas, corpos perfeitos, famílias e amizades incríveis. Contudo, esta utopia da perfeição não é assim tão linear. Existe uma escolha, por vezes obsessiva, antes de publicar o que quer que seja e só é mostrado aquilo que se quer realmente mostrar. Tudo aquilo que não encaixe na sociedade perfeita idealizada nos dias de hoje, não é tão facilmente publicado. Contudo, os jovens, por vezes, não são capazes de ter esta capacidade crítica e assumem que aquilo que vêm é aquilo que corresponde à realidade. Nesse momento, a tendência para a comparação é inevitável.

Porque é que não nasci com aquele corpo? Porque não tenho as mesmas oportunidades que os outros? Porque é que preciso de estudar tanto se os outros estão sempre a sair? Porque não estou sempre feliz?

Estas questões passam muitas vezes pela cabeça dos jovens de hoje, o que leva a que se possam sentir diferentes ou inferiores aos outros. Adicionalmente, os jovens procuram estar sempre dentro do que está a acontecer nas suas redes sociais, sabendo o que os outros estão a fazer, dando uma “espécie” de sensação de controlo sobre tudo o que está à sua volta. “Se eu não tiver na internet, não sei o que os meus amigos estão a fazer” traduzindo-se, muitas vezes, em “eu não sei o que estou a perder” ou “isto era o que eu deveria ter ou fazer”.

Além da comparação, e aliada à mesma, também existe a necessidade de aprovação dos outros que é mantida, muitas vezes, pelo número de visualizações ou pela cultura de likes. Mais uma vez, os jovens podem não ter o discernimento para perceber que o número de likes ou de visualizações nas suas publicações não se traduz na vida real ou na quantidade e qualidade das relações interpessoais que mantêm.

Não menos importante, o número de horas passado no telemóvel, tablet ou computador, também é preocupante. Muitas vezes estes dispositivos são utilizados antes de ir dormir, o que leva a que as pessoas sejam constantemente estimuladas e as afaste do sono, dormindo cada vez mais tarde e menos horas.

Além destas preocupações, é importante também considerar as alterações neuropsicológicas e o impacto no contexto escolar!

Apesar de serem menos abordados, atualmente, há estudos que mostram que a exposição excessiva a ecrãs e a redes sociais pode levar a dificuldades de concentração e disfunção executiva, principalmente ao nível do planeamento e flexibilidade cognitiva.

A nível escolar, o modelo educativo mais utilizado atualmente está a competir com uma comitiva de ecrãs estimulantes, cheios de cor e de vidas muito mais interessantes que a matéria que está a ser lecionada pelos professores. Assumindo esta realidade, procura-se que exista agora um equilíbrio na aprendizagem, introduzindo-se novas tecnologias com o objetivo de captar a atenção dos jovens.

Serão as redes sociais a droga da nova geração?

A tecnologia gera dependência e, por consequência, as redes sociais também. A sua utilização está associada à libertação de dopamina (neurotransmissor relacionado com o prazer e a recompensa) no cérebro dos jovens. Quando há libertação em excesso pode levar à dependência. Quando a criança passa demasiado tempo “ligada”, quando os pais ou outros cuidadores lhes tiram de forma abrupta o seu acesso, isto conduz à libertação de cortisol (conhecido como a hormona do stress). Este ciclo entre excesso de libertação de dopamina, privação do acesso a tecnologias e, consequentemente, libertação de cortisol, pode levar ao aparecimento de irritabilidade, desafio, agitação, stress e ansiedade.

Então, o que podemos fazer?

Será que a solução passaria por proibir o acesso a todas as tecnologias e redes sociais? Não me parece, até porque já percebemos as consequências nefastas da sua retirada. Além disso, sabemos que existem várias leis que proíbem a utilização das redes sociais em determinadas idades, mas estas são facilmente contornáveis. Portanto, diria que a estratégia passar por promover o uso saudável das tecnologias e para isso precisamos que nós, adultos, sejamos motores e exemplos.

Como adultos, devemos promover o uso equilibrado e consciente das tecnologias e redes sociais. Neste artigo falamos essencialmente do uso abusivo das tecnologias e redes sociais pelos jovens, mas o mesmo é observado na população adulta. Quantas vezes demos por nós a abrir o Facebook, o Instagram ou o Youtube e perder a noção do tempo que passamos a olhar para um pequeno ecrã? Podemos também oferecer oportunidades, atividades e momentos de qualidade em família sem a intromissão das tecnologias.

A introdução e utilização das novas tecnologias deve ser feita com limites claros e monitorização. Devemos conversar com os jovens sobre o uso responsável das tecnologias e das redes sociais abordando a sua utilidade e pertinência, bem como os perigos que estão submersos. É importante falar sobre como manter as suas informações seguras, como lidar com a interação de desconhecidos bem como avaliar criticamente as informações disponibilizadas na internet.

Por fim, outra estratégia poderá passar pela monitorização do que as crianças pesquisam e estabelecer limites claros sobre o tempo disponibilizado para estas atividades bem como regras sobre a partilha de informações pessoais.

Sei que, como adultos, estas estratégias referidas anteriormente podem ser difíceis de aplicar. Os jovens estão quase programados para recorrem aos telemóveis ou outras tecnologias como primeira opção e, como todos o fazem, torna-se difícil colocar limites. Rapidamente ouvimos “mas os meus amigos podem jogar até tarde” ou “os meus colegas podem estar o tempo que quiserem no telemóvel”. É normal existir alguma resistência, mas com uma rotina bem estabelecida, os jovens tendem a integrar estes limites. Cabe-nos, como adultos, não só promover a utilização saudável das tecnologias, mas também dar o exemplo e fazermos nós também esta gestão, colocando limites à nossa própria utilização.

Para terminar, gostava que refletissem sobre isso: Quanto tempo utilizo as tecnologias e/ou as redes sociais? Será que recorro a elas quando estou aborrecido? Será que são uma das minhas primeiras opções?