Desde 1992 que este dia 10 de outubro pretende simbolizar e alertar para a necessidade de combater o estigma e promover o conhecimento sobre saúde mental. Instituído pela World Federation for Mental Health foi amplamente reconhecido pelas restantes organizações de saúde locais, nacionais e internacionais.
O trabalho de desbravamento que vem sendo feito na área ao longo das últimas décadas tem contribuído para o seu reconhecimento, para o alargamento e proximidade de informação e serviços mas também para colocar a descoberto números, outrora encobertos, que assustam e refletem necessidades múltiplas e urgentes!
Sabemos hoje que:
- Em 2019, quase mil milhões de pessoas — incluindo 14% dos adolescentes do mundo — viviam com um transtorno mental (OMS,2020);
- Os transtornos mentais são a principal causa de incapacidade, causando um em cada seis anos vividos com incapacidade (OMS, 2020);
- 46 % dos europeus debateram-se com um problema emocional ou psicossocial, como a depressão ou a ansiedade, nos últimos doze meses (OMS, 2023);
- Portugal é o país da União Europeia onde a prevalência de problemas psicológicos é mais elevada (23%), ou seja, praticamente 1 em cada 5 adultos — um valor de 12 pontos percentuais acima da média dos 27 países da União Europeia (OCDE, 2020);
- Nos países da União Europeia, os custos dos problemas de Saúde Mental estão estimados em mais de 4 % do PIB, ou seja, mais de €600 mil milhões (OCDE, 2021);
- Em 2022, estima-se que o custo da perda de produtividade das empresas portuguesas devido ao absentismo e ao presentismo causados pelo stress e problemas de saúde psicológica ascendeu aos 5.3 mil milhões de euros (OPP, 2023).
Em suma, o custo humano e económico dos problemas de saúde mental é incalculável, inegável e transversal.
Se a resposta remediativa a estas evidências começa agora a ganhar formas evidentes um pouco por todo o mundo ocidental, a verdade é que é na prevenção, mais do que na remediação, que mais se pode constituir robustez e eficácia a médio e sobretudo a longo prazo (OCDE, 2021/2/3).
Partindo do nível macro para o micro e para o individual, importa questionar o que localmente, em comunidade, mas também enquanto indivíduos, podemos assumir e empreender em matéria de prevenção e promoção da saúde mental.
Potenciar a nossa saúde psicológica, enquanto garante de bem-estar e equilíbrio, implica atender à forma como pensamos, sentimos, avaliamos situações, nos relacionamos e tomamos decisões, é potenciar a confiança e a capacidade para lidar com os acontecimentos de vida e para empreender na construção de um trajeto saudável, prazeroso e equilibrado.
Individualmente, podemos:
- Saber mais sobre saúde mental, autocuidado e bem-estar (por exemplo no site: www.eusintome.pt);
- Ter um papel autodeterminado e decisor na estruturação de hábitos e rotinas saudáveis próprios e dos que nos rodeiam;
- Investir no autoconhecimento e desenvolvimento pessoal;
- Participar ativamente em iniciativas e medidas locais que ajudem a promover a saúde psicológica mas que também ajudem a difundir informação de qualidade;
- Estar atento e disponível ao outro, contribuindo para um ambiente comunitário protetor e promotor de generosidade e empatia.
O conceito de saúde mental reúne, de facto, aspetos subjetivos, imensuráveis e que se particularizam e substanciam na visão que o próprio constitui acerca de si, da sua vida e do que o rodeia. Por oposição ao conceito médico de saúde mental, que a opõe à doença, as definições mais integrativas e recentes do mesmo realçam a sua natureza idiossincrática, social e cultural (Gaino et al., 2018).
Já Young (1980) defendia a inclusão do processo de atribuição de significados na forma como se perceciona o reconhecimento de comportamentos e sinais biológicos, possibilitando a sua conversão em sintomas/eventos significativos. Entende-se assim que a saúde mental, ou a sua condição, advenha destas infinitas possibilidades de significação do que nos rodeia, permitindo que perante os mesmos eventos, se obtenham outcomes diferenciados. No limite, todos seremos (in)saudáveis dependendo da significação própria, dos outros, social e da comunidade em que nos inserimos. O que é ou não permitido? O que é ou não aceitável?
Mas, então, o que delimita o conceito? Onde termina e começa a saúde mental enquanto estado?
A forma mais consensual de o delimitar é, ela própria, idiossincrática e parte do nível de funcionalidade (observável e sentido) e do sofrimento individual que o sintoma/evento possa causar a um indivíduo em particular num particular momento da sua vida. E é no momento em que ambos se possam questionar que a procura de ajuda pode ser determinante, que o autoconhecimento e o desenvolvimento pessoal investido podem fazer a diferença, que a comunidade atenta e interventiva, conhecedora do seu papel, nos pode a todos valer!
Em saúde mental importa agora fazer da informação, ação e poder!
Comemoremos este dia desta forma interventiva, do individual, ao micro e macro!
Bibliografia
Comissão Europeia (2024). Abordagem abrangente da UE em matéria da saúde mental. In https://health.ec.europa.eu/non-communicable-diseases/mental-health_pt
Entidade Reguladora da Saúde (ERS) (2023). Acesso a serviços de saúde mental nos Cuidados de Saúde Primários. Porto
Filho, N. A., Coelho, M. T. A. & Peres, M. F. T. (1999). O conceito de saúde mental. Revista USP, 43, 100–125.
OECD (2020). Health at a Glance: Europe 2020: State of Health in the EU Cycle. Paris. Disponível em: https://doi.org/10.1787/82129230-en.
OECD (2021). State of Health in the EU: Portugal, Health Profile 2021. Paris. Disponível em: https://www.oecd.org/portugal/portugal-perfil-de-saude-do-pais-2021-766c3111-pt.htm.
OECD (2021). Fitter Minds, Fitter Jobs — From awareness to change in integrated mental health, skills and work policies. OECD.
OECD (2022). Health at a Glance: Europe 2022: State of Health in the EU Cycle. Paris. Disponível em: https://www.oecd-ilibrary.org/social-issues-migration-health/health-at-a-glance-europe2022_093481a3-pt.
Ordem dos Psicólogos Portugueses (2020). Prosperidade e Sustentabilidade nas Organizações. Relatório do Custo do Stresse e dos Problemas de Saúde Psicológica no Trabalho, em Portugal. Lisboa: Ordem dos Psicólogos Portugueses.
Ordem dos Psicólogos Portugueses (2023). Prosperidade e Sustentabilidade das Organizações — Relatório do Custo do Stresse e dos Problemas de Saúde Psicológica no Trabalho, em Portugal. Lisboa.
Organização Mundial de Saúde (2022). Mental Health Strenghtening our response. Retirado de: https://www.who.int/ news-room/fact-sheets/detail/mental-health-strengtheningour-response”health-strengthening-our-response.
Gaino, D. V., de Souza, J., Cirineu, C. T. & Tulimosky, T. D. (2018). O conceito de saúde mental para profissionais de saúde: um estudo transversal e qualitativo. SMAD — Revista Eletrônica Saúde Mental, Álcool e Drogas, Vol 14 (2), in https://doi.org/10.11606/issn.1806-6976.smad.2018.149449 .
YOUNG, A. (1980). The Discourse on Stress and the Reproduction of Conventional Knowledge. Social Science and Medicine, 148, pp. 133–46.