Os Traumatismos Crânioencefálicos ou TCE, moderados ou severos, são atualmente reconhecidos como a causa mais significativa de incapacidade em jovens adultos, afetando ainda uma crescente população de indivíduos idosos.
Recentemente o TCE foi definido como “ uma alteração no funcionamento cerebral, ou outra evidência de patologia do cérebro, causada por um trauma ou força externa “ (Menon, Schwab, Wright, & Maas, 2010) que resulta numa mudança ao nível cognitivo, comportamental, emocional e psicológico, sendo esta uma consequência temporária, de longa duração ou até permanente.
As principais causas destas lesões são quedas, especialmente em crianças e pessoas idosas, acidentes desportivos e de viação maioritariamente em jovens adultos, e ainda agressões, sendo estes traumatismos mais frequentes nos homens do que nas mulheres (Ricker, 2010).
Existem vários processos patológicos decorrentes de um traumatismo que resultam em danos cerebrais, nomeadamente: fratura do crânio; lesões primárias como lesão axonal difusa e contusão cerebral; lesões secundárias como hemorragia intracraniana ou infeção cerebral; e ainda complicações posteriores. A severidade do traumatismo crânio-encefálico ocorre num continuum, desde contusões leves a lesões severas ou graves, sendo que a maior proporção dos casos se insere num continuum leve a moderado, onde 75% destes são identificados como TCE leve (Sohlberg & Mateer, 2001). É importante avaliar este grau de severidade já que as consequências e os efeitos a curto e longo prazo dos traumatismos dependem profundamente da gravidade e severidade dos mesmos.
Desta forma, a extensão e o grau das dificuldades e dos comprometimentos cognitivos decorrentes dos TCE variam de acordo com a severidade e a própria localização cerebral do trauma, sendo que se destacam os domínios cognitivos da atenção, velocidade de processamento, memória, linguagem, capacidade de resolução de problemas e, principalmente, as funções executivas (FE) como os mais afetados nestes casos. Nos TCE há uma tendência para uma maior predominância de défices em todos os domínios (cognitivos, emocionais e comportamentais) quando em comparação com casos de AVC ou outras lesões cerebrais adquiridas (Almeida et al., 2015).
No entanto, é de salientar que existem outros fatores que influenciam as consequências da lesão e as potenciais sequelas, nomeadamente, fatores situacionais, contextuais, e o próprio funcionamento pré-mórbido do indivíduo relacionado com a integridade cerebral antes da lesão ao nível tanto da matéria cinzenta como da matéria branca; com o cognitive enrichment, muito associado com o nível de escolaridade (Donders & Stout, 2018); e, ainda, com o estado emocional. A ideia de que a manifestação comportamental destes traumatismos, e da patologia cerebral em geral, é mediada por fatores pré-mórbidos, é referenciada como reserva cognitiva sendo que, vários estudos indicam que uma menor reserva cognitiva poderá estar associada a piores consequênciasapós um TCE e que, pelo contrário, uma maior reserva poderá atuar como um fator protetor.
Todas as consequências já mencionadas que advêm da lesão afetam criticamente o dia-a-dia funcional do individuo e, consequentemente, a sua qualidade de vida, tendo impacto na sua autonomia e na vida social, familiar e profissional, dificultando a capacidade do individuo em voltar a exercer estes papéis. Deste modo compreende-se o impacto social dos TCE, que afetam não só os próprios indivíduos, mas também os seus familiares, amigos e a sociedade no seu todo já que as incapacidades resultantes alteram os papéis interpessoais e diminuem a participação e o envolvimento da pessoa na comunidade a vários níveis, especialmente em casos de jovens adultos!
Dada a elevada incidência dos traumatismos crânio-encefálicos e dos comprometimentos cognitivos, comportamentais e psicossociais que deles podem resultar, é essencial que os psicólogos e neuropsicólogos sejam envolvidos na avaliação e intervenção nestas incapacidades multidimensionais (Ricker, 2010). A avaliação neuropsicológica é importante nestas situações, porque é considerada até ao momento a forma mais robusta de identificar a presença e a eventual progressão de défices cerebrais adquiridos, verificando os pontos fortes e as fragilidades cognitivas tanto pré-lesão como presentes, de modo a melhor compreender os efeitos do TCE a este nível (Sohlberg & Mateer, 2001), o que permitirá projetar um prognóstico mais adequado.
Relativamente ao processo de reabilitação neuropsicológica, segundo King & Tyerman (2010) este apresenta-se como um processo de procura de soluções criativas e práticas que permitam minimizar as dificuldades funcionais decorrentes da lesão de cariz cognitivo, emocional e social que a pessoa enfrenta no momento com o principal objetivo de promover a sua qualidade de vida, aumentar os níveis de funcionalidade (Almeida et al., 2015) e promover a reintegração social e, se possível, vocacional. Contudo nos traumatismos crânio-encefálicos, a investigação recente considera a reabilitação cognitiva como uma das formas de intervenção mais eficazes em sujeitos com défices cognitivos e funcionais (Fernandes, Moreira, Filipe, & Vicente, 2016).
No que toca a programas específicos de reabilitação cognitiva é essencial ter em consideração o facto de que a recuperação da função cognitiva deteriorada nem sempre é totalmente possível e que, desta forma, é necessário estabelecerem-se objetivos que possam ser alcançados de forma alternativa através de estratégias compensatórias ou até tecnológicas. Assim sendo, Wilson (2000) refere que o principio desta abordagem será utilizar uma capacidade cognitiva que esteja intacta para compensar outra que apresente comprometimentos ou um funcionamento diminuído (Fernandes et al., 2016) e que possa auxiliar o individuo no seu quotidiano. Estas intervenções centradas no domínio cognitivo focam-se, muitas vezes, na estimulação da atenção, das funções executivas, da comunicação e da memória (Downing et al., 2019) sendo que de acordo com Sherer e Sander (2014) os problemas de memória são os mais reportados pelos indivíduos após um TCE, daí que estes autores considerem as intervenções direcionadas para estas dificuldades cruciais para melhorar a qualidade de vida e a participação na comunidade. As estratégias compensatórias utilizadas podem ser caracterizadas como internas ou externas. As internas incluem a utilização de técnicas visuais, de treino, de repetição, de organização e ainda de autoinstrução, enquanto as externas incluem maioritariamente auxiliares de memória (Downing et al., 2019).
Contudo, para além das limitações associadas à memória existem ainda consequências persistentes e debilitantes associadas ao controlo executivo e à atenção que são também muito referenciadas. Para estes domínios as estratégias de reabilitação mais comuns são o treino direto e o treino metacognitivo, sendo que o treino direto se refere a intervenções que procuram restaurar diretamente processos executivos específicos e consiste em exercícios de deteção de alvos na presença de estímulos distratores e de organização de palavras em ordem alfabética, por exemplo. Por sua vez, o treino metacognitivo foca-se na capacidade de autorregulação do individuo e envolve a monitorização e controlo dos seus pensamentos, emoções e comportamentos incluindo exercícios de resolução de problemas e outros que exijam planeamento (Sherer & Sander, 2014).
Apesar de um programa de reabilitação ser benéfico e compensador, por vezes os benefícios de uma intervenção de reabilitação são muitas vezes enfraquecidos e diminuídos devido à falta de envolvimento e de compromisso dos pacientes no processo o que é muitas vezes atribuído às sequelas cognitivas, emocionais e comportamentais e, principalmente, à falta de consciência dos próprios défices (Medley & Powell, 2010). Assim, existem fatores como a motivação e o envolvimento do cliente, a consciencialização das dificuldades e o apoio e a retaguarda social e familiar.
Assim, destaca-se a importância dos processos de reabilitação em casos após traumatismos crânio-encefálicos já que as limitações que são decorrentes deste trauma podem conduzir o individuo a uma elevada ansiedade social e consequentemente ao seu isolamento (Entwistle & Newby, 2013). É ainda de salientar que será, em alguns casos, muito vantajoso existir um acompanhamento psicoterapêutico, de forma a promover a aliança terapêutica, a facilitar a aceitação dos défices e definir de forma mais estruturada objetivos realistas.